Compositor Raimundo Penaforte é artista residente da Unicamp

“Tragam seu som”, disse Raimundo Penaforte aos alunos do curso de Música da Unicamp que devem participar até julho, dos encontros com o compositor, novo artista residente da Universidade. Em Campinas desde o final de fevereiro, Penaforte já se organizou na cidade e começa a trabalhar no Instituto de Artes (IA). “Já tive contato com os alunos, a cada dia assisto uma aula. Visitei uma classe, fui ver ensaio da banda de jazz, visitei aulas de bateria, dos metais. É uma maneira de ver quem toca o que e como toca, de me familiarizar não só com os professores, mas com os alunos também”.

O programa “Artista Residente” nesta edição tem a coordenação geral dos professores e diretores do IA, Fernando Augusto de Almeida Hashimoto e Gracia Maria Navarro. Vinculado ao Gabinete do Reitor (GR), o programa oferece à comunidade universitária a oportunidade de conviver com artistas de renome nacional e internacional de diferentes áreas e tem como marca a passagem de grandes nomes como o músico Arrigo Barnabé, o poeta Décio Pignatari, o dramaturgo Samir Yasbek, entre outros.

Morando em Nova York desde 1989, Raimundo Penaforte é desses artistas brasileiros que consolidaram sua carreira e são reconhecidos lá fora, muito pouco em seu próprio país. Compositor, violinista e arranjador, o novo artista residente deu nome ao projeto que vai desenvolver, com alunos do IA (não somente do curso de Música) de “Tudo que tem som, soe!”. Ele explica sobre o projeto na entrevista que deu ao Portal Unicamp a seguir:

Portal Unicamp Você já teve alguma passagem anterior pela Unicamp ou não?

Raimundo Penaforte – Tive rapidamente. Em 2010 houve um concerto na cidade com o Paralamas do Sucesso e a Orquestra Sinfônica da Unicamp e me convidaram para fazer os arranjos para a orquestra. Eu fiz e mandei lá de Nova York. Ficou aquela coisa de internet  mas, de última hora resolvi vir assistir o concerto. Na época dos Paralamas eu já morava fora do Brasil então nunca foi parte do meu repertório de rock brasileiro. Porém fazendo o trabalho comecei a ouvir aquelas músicas e a viver um período que não vivi no passado e passei a gostar. Nesta passagem por aqui também o professor Fernando Hashimoto me convidou para oferecer um curso rápido aos alunos de pós- graduação e eu fiz, mas foi tudo muito corrido. Fui visitar meu pai em Fortaleza e voltei para Nova York.

Portal da Unicamp– Agora você fica morando aqui por um período…já se adaptou, encontrou lugar pra morar?

Raimundo Penaforte – Sim, eu achei um lugar muito interessante lá no centro de Campinas. Parece loucura, quando eu abro minha janela eu vejo o centro os carros as pessoas andando, se eu não quero barulho eu fecho e estou sozinho. Se eu quero ver gente é só sair na rua. Aqui em Barão Geraldo, por não conhecer, me parece tudo mais amplo, casas, árvores, Confesso, tenho gostado do centro de Campinas.

Portal Unicamp – Como vai ser desenvolvido seu trabalho?

Raimundo Penaforte – Essa ideia do “Tudo que tem som, soe!” é baseada nessa dualidade do 0-1 que eu trouxe pra composição que é a ideia do som e do silêncio. Aa música não é nada mais do que o som e o silêncio, uma mistura disso. Quero aqui descobrir esse processo de criação com outros, outros significados, professores, interessados, alunos. Eu estava lendo o material de um velho curso que fiz sobre fenomenologia e achei que isso vem a calhar que é a ideia do fenômeno, relacionado aquilo que existe antes da ideia de definição chegar no objeto. Antes de definir o concreto vou aceitá-lo da maneira como estou vendo. Significa aceitar o som, as formas de introspecção e de expressão como elas vem até você, que é fora do processo acadêmico. Aqui estou interessado que as pessoas participem, emtrem neste contexto de criação mútua, livre e pegando o som, ou as formas sonoras da maneira como elas vem. Não se trata só da música mas do som e esse som pode ser o silêncio já que sempre vamos estar ouvindo algo. O som existe e aquilo que ampliamos é som o que não ampliamos chamamos de silencio. Na realidade não é som e silêncio, é som e som.

Portal da Unicamp – Vai ser um trabalho experimental, no sentido de ir testando coisas?

Raimundo Penaforte – É como o trabalho do poeta. As palavras já existem, estão aí, ele precisa redefinir. Na música é relativamente a mesma coisa. Os sons estão aí, compor é pescar no ar aquilo que você não vê nem sente, só ouve. É arranjar, redefinir algo que já existe. O que eu quero deixar claro é que o “trabalho final” se faz hoje. Pode acontecer que o que fizemos antes, durante o processo, apareça em um “espetáculo final” ou nada do que fizemos antes. É a liberdade controlada de um processo criativo sem o estresse de ter que mostrar um resultado.

Portal Unicamp – O que você acha desse projeto? Dessa contribuição para os alunos…

Raimundo Penaforte – É de grande valor. Um investimento cultural. Eu não tive esse tipo de coisa. Sempre corria atrás, nós comíamos e digeríamos tudo, hoje não vejo isso acontecendo. É uma honra ser parte nessa lista de artistas residentes. Eu me coloco no lugar dos alunos. Sou compositor, violinista e moro em nova York. O que eu venho fazer aqui? Pretendo criar enfrentando o medo do desconhecido. O que é que nós compositores gostaríamos de fazer, mas não temos nem infraestrutura nem tempo nem dinheiro, etc? É criar. E tem que ter o fator medo, do desconhecido… Não quero fazer o que eu já sei. Agora estão me dando a infraestrutura, vou fazer. A música não necessariamente gosta de mim, eu é que gosto dela. Então faço tudo para agradá-la, não para agradar os músicos ou os ouvintes, embora pareça o contrário. Acho que é algo que vai me provar muita coisa.

Portal da Unicamp – Você faz parte dessa geração de artistas que fez a carreira fora do país...

Raimundo Penaforte – Sim, desde 1989 moro em Nova York. Fui para os EUA para fazer um doutorado, acabei me encontrando como compositor na escola Juilliard. Mas eu sempre voltei ao Brasil, no máximo a cada dois anos. Tenho trabalhado com brasileiros, por exemplo Fernando Dissenha, primeiro trompetista Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP). Trabalhei com Fábio Presgrave, violoncelista, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tive outras coisas gravadas como duas peças pra violão gravadas por João Kouyoumdjian, um brasileiro de família armênia. Com o próprio professor Fernando Hashimoto, fiz um disco em 2008 na Holanda, fui lá pra ajudar a produzir, então o professor me trouxe e gravou uma peça para quarteto de cordas. Tenho também músicas em Luxenburgo com um pianista chamado Francesco Tristano, nós fazemos um show improvisatório todos os anos. Tenho mantido essa conexão com o Brasil. Em 2012 tive uma peça chamada Domingando em Itambé, uma fantasia para orquestra, que foi tocada pela Sinfônica Brasileira sob a regência de Roberto Minczuck.

PROGRAMAÇÃO “Tudo que tem som, soe!”

Datas: 31 de março, 5, 7, 12, 14, 19 e 26 de abril, 3, 17 e 19 de maio.

Horário: 19 às 22h30

Local: Paviartes (barracão)/Artes Cênicas – Sala 03

Público alvo: Interessados em música, dança, artes cênicas, artes visuais e midialogia.

07/04/2016 – 11:03
Texto                             Patrícia Lauretti
Imagens                        Antoninho Perri
Edição de Imagens     Paulo Cavalheri