O CEPECIDOC (Centro de Pesquisas em Cinema Documentário da UNICAMP), vinculado ao PPGMM (Programa de Pós-Graduação em Multimeios) do Instituto de Artes/UNICAMP, é um Centro de Pesquisas do Diretório de Núcleos de Pesquisas do CNPQ. Congrega pesquisadores que trabalham em Cinema e Audiovisual Documentário na diversidade de seus suportes e formatos. O objetivo do CEPECIDOC é promover debates, seminários e projetos de pesquisa sobre Documentário Brasileiro e Internacional. Sua fundação data de 2001. Entendemos ser positiva a valoração da especificidade da forma narrativa documentária audiovisual, tela do maquinismo-câmera aderindo à imanência do mundo.
Atualmente o CEPECIDOC desenvolve o Seminário Imagens e Alteridades do Real em encontros mensais com a participação aberta de pesquisadores e professores que apresentam seu trabalho. Foi responsável pela realização de diversos eventos na área de cinema documentário nos últimos 25 anos. Durante sua existência, organizou seminários internacionais com a vinda dos professores Michel Marie e Roger Odin, da Universidade Paris III/Sorbonne Nouvelle. Também trouxe para palestras e reuniões fechadas com o grupo de pesquisa e alunos de pós-graduação, os professores Deane Williams (Monash University) e David Rodowick (University of Chicago). Em outubro de 2012, juntamente com o Centro de Estudos Avançados (CEAv/UNICAMP), o CEPECIDOC organizou a vinda do Prof. Bill Nichols (San Francisco State University) à UNICAMP. Em 2002 promoveu, no Itaú Cultural/SP, a Conferência Internacional Tendências e Perspectivas do Documentário, em conjunto com o Festival É Tudo Verdade e o apoio do Itaú Cultural. Em 2009, o CEPECIDOC, com a Universidade de Buenos Aires/Argentina, organizou o evento latino-americano, Seminário Internacional de Estudos Cinema Brasil e Argentina, sobre a produção documentária no cone Sul. Participaram 14 pesquisadores e professores de universidades brasileiras e argentinas. Em 2006, o Centro candidatou-se ao Edital Universal/CNPQ recebendo Apoio Financeiro a Pesquisa para equipar suas instalações. Dispõe, para consulta do público em geral, um acervo com 2809 títulos de filmes documentários, que podem ser visionados ‘in loco’ na Videoteca do Instituto de Artes/UNICAMP.
Nas atividades de pesquisa do CEPECIDOC, a narrativa documentária é recortada em três frentes: a) reflexão de cunho teórico e conceitual, dando embasamento ao pensamento voltado à definição do campo; b) trabalhos com recorte histórico e autoral direcionados ao estudo do Cinema Documentário Brasileiro/Internacional e ao audiovisual em sua amplitude; c) pesquisas situadas em um eixo multidisciplinar articulando a tradição do documentário, clássico expositivo ou expressivo, com o campo antropológico ou a alteridade de natureza animal, vegetal e meio ambiente. Seu Projeto de Pesquisa atual intitula-se “A A-encenação documentária: análise e tentativa de definição” e teve apoio FAPESP recebendo Auxílio Pesquisa no Exterior. O CEPECIDOC abriga igualmente os projetos FAPESP “Produção Audiovisual das Vanguardas Plásticas – anos 1960-1970” (2022/11065-5) e “O Audiovisual da Luta Camponesa pelos Camponeses” (2022/03558-1), que interagem em sua linha de pesquisa.
A LINHA DE PESQUISA
O campo do cinema documentário deve ser entendido de forma ampla, abrangendo a encenação expressiva que chamamos a-encenação. Toda narrativa documentária possui um mega-enunciador, definindo-se assim como conjunto de vozes que enunciam no formato filme. O mega-enunciador abre-se com voz assertiva, de um lado, em direção aos modos da encenação direta ou construída na tomada, chegando, pelo modo dramático, até às formas do docudrama que interagem na fabulação ficcional. Por outro lado, pode encostar no mundo numa espécie de hermenêutica que faz tela e incorpora a dimensão da poiesis definida como a-encenação. Entendemos que, em seu eixo central, a a-encenação trabalha com intensidades altas e individuações larvais – potências soltas da ação e da afecção na cena documentária – articulando-se na imanência da diferença que determina um plano de porvir em processo. É um de-lá que se torna, pelo movimento, um já-é na cena na tomada.
A a-encenação tem raiz no que definimos como hors-scène, conceito forjado a partir do acinema proposto por Jean-François Lyotard. Designa o que não fecha na conta da cena, mas dá a volta por trás e se eleva por fora (sempre pelo de-dentro da vida) na individuação tecnológica que transcorre o maquinismo câmera. É espécie de empirismo que se costura na virtualidade aberta do tempo; um si-mesmo que, sendo como tela da mente numa mônada, engole, no intervalo que funda, o movimento do ego transcendental pela imanência do espaçamento. O plano de consistência com figuração reflexa na qual se finca pelo movimento faz a encenação construída ou direta/verdade (mais restritas nos modos de abertura do encontro), como também a a-encenação.
Por trazer como verdadeira a série fotográfica da imanência radical (aquela que a imagem-câmera inaugura na tomada), a a-encenação pode se colocar enquanto ação ou afecção da vida na cena. É pensamento de uma agência/mente que adere e gruda de maneira irrecuperável no empirismo e assim atinge o núcleo da representação, eclodindo. Neste ponto de imanência, a a-encenação finca âncora naquilo que tem o estatuto (sem ser extensão, nem ontologia) do que reflete. E essa é sua tela. É por aí que a a-encenação tenciona até que, liberando as dimensões do figurativo, atinja a virtualidade do cosmos que passa por inteiro, de uma vez, no plano virtual, se formando pelo que retorna como condensação. O movimento que faz, nesses casos extremos de sua imagem, parece vir do tempo diretamente e forma seu cristal.
Não podemos reduzir, no entanto, a tradição do filme documentário às figurações da a-encenação, nem devemos fixá-la em postura normativa evolucionista. A análise desconstrutivista precisa tomar coragem e ir além do primeiro degrau da reflexividade. É perigo que corre o pensamento do documentário num viés pós-estruturalista pouco elaborado, apresentando como final a forma ensaio, ou experimental. É também o que ocorre na tradição da dialética materialista mais redutora, que respira os ares da teleologia hegeliana no conceito de ideologia. O documentário é múltiplo na refração daquilo que a imanência do movimento faz circular e no impacto do que chega pelo modo-de-ser reflexo. Acreditamos que as modalidades históricas da tradição documentária surgem e convivem em simultaneidade, dentro de uma postura traçada por um encontro (um contato de aderência) que vai além da linha limítrofe da interpretação ou do saber cognitivo.
A a-encenação, portanto, pode ser definida como expressão da diferença hors-scène quando essa paira, sem amarra e pelo soluço do movimento, num modo de individuação heterogêneo. É o que condensa o plano de consistência, cristalizando a imanência direta do tempo pela dimensão tecnológica do maquinismo câmera em sua dimensão fílmica. São linhas, ou séries (a tomada-câmera é apenas uma delas), que figuram a dimensão reflexa do cosmos nas diversas dimensões que o percorrem como tela – e assim sucedem o devir da cena.