Fome  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Protesto III, 1967. Xilogravura –  0,98 x 0,64cm
Bernardo Caro
 
 
     
     
 

Bernardo Caro utiliza-se de poucas cores (preto, vermelho, verde e magenta) em sua composição. O negro de suas figuras em protesto contrasta com as cores fortes e vibrantes das inscrições, o que faz com que o observador se atente ainda mais para as palavras. É durante esse momento de sua trajetória que o artista se interessa por inscrições, rabiscos e palavras deixadas pelas pessoas nos muros da cidade.
Ao imprimir sua xilogravura sobre papel craft, o artista já discute o suporte tradicional, visto que o papel escolhido apresenta pouca durabilidade. A questão do suporte, do material utilizado para a realização da obra de arte culmina na discussão da efemeridade, que é levada a cabo na obra Sempre, apresentada na XIII Bienal Internacional de São Paulo, em 1975, instalada posteriormente no campus da PUC de Campinas, onde ficou até sua completa decomposição.
O trabalho do gravador oficial do Grupo Vanguarda demonstra um forte grafisto e uma exacerbada crítica social e política, explorados pelo artista desde sua primeira ilustração. É o que ele garante em seu depoimento: “(...) E, na parede de um dos bares tinham bastantes papéis grudados com charges políticas. E eu falei ‘Puxa vida, eu quero fazer uma!’, então eu corri para casa, e fiz um desenho do Hitler em cima de uma carroça, puxada pelo Mussoline, e atrás estava o Hiroito, os três que formavam o Eixo. (...) E lá fui eu e colei minha charge junto com aquelas outras, mas voltei correndo para casa com medo que algum ‘quinta coluna’ quisesse me matar... E meu desenho ficou lá, e nos outros dias eu ia lá perto olhar, com certa satisfação. Eu gostaria de ter esse desenho comigo, mas não o  tenho”. (1)
É evidente que a fervilhante década de 1960 fez com que inúmeros artistas se interessassem pelos eventos internacionais, porém chamamos a atenção para a busca de inspiração na realidade brasileira: a situação do povo brasileiro, o autoritarismo militar e os fenômenos de massa nos meios urbanos – carnaval, futebol, publicidade, história em quadrinhos e música popular brasileira.
Nesse caso, ao buscar inspiração na estética pop, Caro elege a temática do futebol, o que podemos perceber por meio das palavras gravadas pelo artista (Fome? Gol?). Porém, não é apenas o esporte abordado nesta série. Ao observarmos as outras obras lemos: Pênalti? Luta pela cor? em Protesto I e Juiz e Escanteio? em Protesto III. Colocando a injustiça social ao lado do futebol, o artista propõe uma relação provocativa com o público. Remete-nos a um cartaz ou um panfleto. Em outras gravuras, Caro infere ainda que é preciso uma maior atenção do público ao inserir grafismos simbólicos em sua obra. É o que veremos na próxima obra.

Análise publicada no livro: SUNEGA, Renata Alves (org), MACC: Vida e Obra – Fundo Histórico – Décadas 1960-1970. Campinas: Coordenadoria de Extensão Cultural, 2006.

(1) Em entrevista realizada pela autora com o artista em 24 de junho de 2004.

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[Renata Zago]
 
 

 

 
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