MULHER DE RUA - Egas Francisco
100 x 81 cm, acrílico sobre tela, 1970.
Coleção Johanna Fonteyne.
 
 
     
     
  Egas Francisco me parece o mais solitário e atormentado artista de Canpinas. Isso confere à sua obra características especiais. Características extremamente pessoais e facilmente identificáveis, como o seu traço e sua cor. Um e outro são contidos por uma rigorosa e admirável disciplina, mas soltos em suas vibrações.

Inútil (e de resto desnecessário) querer classificar sua obra neste ou naquele "estilo"; nesta ou naquela tendência estética.

Uma obra que nasce como um soco não pode ter explicações. Ela está aí, incomodando continuamente, denunciando coisas como um retrato tirado do álbum da família e colocado, com muito destaque, na sala-de-estar.

Egas é paulistano. Tem 35 anos, é magro, tem olhos tão inquietos e tão nervosos (ansiosos) quanto sua obra. O pai nasceu em Salvador e a mãe, em Feira de Santana, Bahia. Egas está há 27 anos em Campinas.

Começou copiando Dürer e Rembrandt, na sua infância. Mas é autodidata; ajudado pela inteligência e dinamismo de sua mãe, a primeira incentivadora constante.

Quado tinha dez anos de idade, Egas queria ler; ver arte nos livros que vinham da Europa e eram expostas na "Livraria Francesa", de São Paulo. A falta de dinheiro não impedia que ele consultasse os livros de arte e visse - deslumbrado - as obras de El Greco. Hoje, a obra de Egas tem uma indiscutível e saudável influência de Modigliani, de Francis Bacon, de Flávio de Carvalho. Homem sofrido como os outros três, ele procura (com êxito) a companhia das crianças de Campinas, com idades que variam entre cinco e catorze anos. E lhes ensina a pintar. Picasso disse, um dia, que os artistas passam sua vida procurando pintar com a espontaneidade e pureza das crianças. Egas, certamente, sabe disso. Como não ignora - também - , que o chamado sub-mundo (as prostitutas, os poetas malditos, os bêbados e os andróginos) são uma força-síntese capaz de fornecer a matéria-prima para se encontrar a pureza que Picasso mencionou.

"Mulher de Rua" é uma tela antológica na pintura brasileira. Isso demorará, um pouco, a ser admitido, a ser propagado. Por enquanto, fica-nos o privilégio de poder vê-la ou conviver com essa angustiada mulher cujo braço se ergue acima de sua cabeça, num gesto repetido, que nada tem a ver, por exemplo, com a pintura dos futuristas, no início deste século. Essa tela foi exposta em praça pública e seu título foi dado pelas mulheres que com ela se identificaram. Isso aconteceu no Largo do Rosário, em Campinas. Uma consagração assim não é rotineira. [voltar]

[Olney Krüse]

 
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