Filé

A Mostra Unificada apresenta a síntese das produções artísticas de alunos e professores do Instituto de Artes, sempre marcada pela diversidade de estilos, pluralidade de gêneros e uma patente interdisciplinaridade entre seus cursos.
Filé
Enviado por: Isabela De Vita Jaha
Ao combinar uma técnica artesanal milenar com frases que envolvem alimentos e mulheres, "Filé" é uma série de objetos-tapetes feitos em crochê que se baseiam no livro "Política Sexual da Carne", de Carol J. Adams, exemplar obra do ecofeminismo. A união do crochê com frases de efeito que aludem à mulher enquanto objeto comestível apresenta, enquanto poética, uma maneira de apontar e questionar as relações patriarcais que permeiam a mulher e seu corpo, uma vez que ela é a que cozinha o alimento, ao mesmo tempo que ela é lida socialmente como um objeto comestível. No crochê, "filé" é uma técnica onde um tapete é feito a partir da construção de quadrados cheios e vazios, formando letras ou desenhos.
O bordado da obra "Pingadeira" também faz referência ao trabalho artesanal, ao corpo e as imposições colocadas sobre a mulher no momento que ela passa pela menarca, a primeira menstruação. Sobre uma calcinha de renda, a pergunta "Preparada?" é um eufemismo da vivência que a menina passa a possuir a partir do momento que ela entra na puberdade, ou quando ela "vira mocinha", segundo o ditado popular.
Carne (série Filé)
2020
Crochê
45 x 266 cm.
Baseada na obra “Política Sexual da Carne: uma teoria feminista-vegetariana”, de Carol J. Adams, “Carne” é o primeiro objeto-tapete da série “Filé”, composta por objetos-tapetes que se apropriam da linguagem do crochê para evocar relações veladas entre ser mulher, doméstica e “pedaço de carne” ao olhar masculino. “Carne” apresenta uma frase comum entre gerações mais antigas das famílias, que traduz como a mulher é vista como a que cozinha a carne (enquanto doméstica) mas também é interpretada como a própria carne, em um ponto de vista masculino e dominante, em que a palavra “carne” é comumente utilizada à mulher enquanto objeto comestível. Também, o tapete de crochê é um objeto de decoração altamente presente nos lares brasileiros, sobretudo nas cozinhas, tornando “Carne” um objeto que faz referência direta às passadeiras que se alojam no chão da cozinha, em frente à pia e ao fogão. A série “Filé” ganha este nome graças à técnica de crochê intitulada “crochê filé”, quando os tapetes são tecidos a partir da construção de quadrados vazios ou cheios. “Carne” procura criticar o estereótipo da mulher doméstica, submissa e do ofício em um ponto de vista ecofeminista.
Fruta (série Filé)
2020
Crochê
46 x 94 cm
Dando continuidade à “Filé”, “Fruta” é o segundo tapete da série. O objeto-tapete faz referência direta às mulheres-frutas, popularmente conhecidas a partir da segunda metade dos anos 2000, fenômeno do funk carioca, porém com rápido esquecimento. As mulheres-frutas foram modelos e/ou dançarinas que ganharam apelidos de frutas diversas devido ao formato de seus corpos, que faziam alusão aos formatos de frutas arredondadas ou curvilíneas, muitas vezes se referindo aos quadris e glúteos dessas mulheres. Este termo confere a continuidade da visão da mulher enquanto objeto comestível, porém desta vez com mais ênfase à sua própria carne, aparência e submissão. O termo “mulher-fruta” é apenas uma das infinitas expressões utilizadas para enunciar que a mulher é vista socialmente como um objeto a ser comido, em que a própria aparência da mulher entra em cena no caso das mulheres-frutas. O objeto-tapete faz uso da cor verde em listras devido à melancia, a fruta/apelido que deu origem ao curto legado das mulheres-frutas.
Pingadeira
2020
Bordado
20 x 30 cm
No Brasil, há diversas palavras usadas informalmente para se referir à menstruação: naqueles dias, chico, mar vermelho, cólica, período, lua...dentre elas há a “pingadeira”, utilizada em regiões específicas. Compreendendo que a menstruação é, em diversas ocasiões, interpretada como um tabu tanto à sociedade quanto à própria mulher, “Pingadeira” faz uma análise crítica da menarca (a primeira menstruação) como uma passagem quase ritualística da adolescente para o universo adulto. O motivo pelo qual a palavra “menstruação” é em muitas situações trocada por eufemismos ou expressões não é meramente ocasional, pois há um significado social velado. Não é à toa que comerciais de absorventes trocam o sangue vermelho por um líquido azulado, assim como também não é por acaso que a adolescente se sente constrangida ao menstruar pela primeira vez na escola; estar menstruada é sinônimo de estar suja, segundo o patriarcado. Desta forma, menstruar pela primeira vez é desesperador aos pais, que sentem medo da puberdade da própria filha, o que pode ser resultado do sucateamento da educação sexual no Brasil. “Pingadeira” é um bordado sobre calcinha semi-rendada que pergunta à menina se ela está preparada. A escolha da calcinha semi-rendada se dá pelo significado social que os modelos de calcinhas possuem, em que a renda é sensual e a calcinha confortável não. “Pingadeira” é uma crítica ao tabu da menstruação que recai sobre a mulher, e como isso afeta seu corpo, sua vivência e seu entendimento por amadurecimento.