O Prof. Dr. Lucas de Almeida Pinheiro, que obteve seus títulos de mestrado e doutorado no Instituto de Artes da Unicamp e atualmente é docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), foi um dos vencedores da segunda edição do Prêmio Jabuti Acadêmico, com a obra “Teatros e artistas com deficiência visual: poéticas do acesso à cena”, publicada pela Editora Unicamp. Ele foi premiado na categoria “Artes”. O livro tem como base sua pesquisa de doutorado “Poéticas do acesso à cena: teatro e artistas com deficiência visual”, defendida em 2022 e que teve como orientadora a Profa. Dra. Isa Etel Kopelman.
Na obra, Pinheiro analisa processos criativos de 13 grupos teatrais nacionais, explorando como a participação e o protagonismo de artistas cegos ou com baixa visão enriquecem a arte teatral, gerando novas linguagens, abordagens e pedagogias. “As pessoas que enxergam normalmente entendem que não é possível fazer um tipo de teatro que não é para ser visto. Mas há grupos realizando trabalhos há décadas e que provam que há maneiras de se vivenciar, ensinar e aprender o teatro na perspectiva de pessoas cegas ou com baixa visão”, diz.
A relação do docente com Pessoas com Deficiência vem desde a época do Ensino Médio, quando, em um projeto da escola em que estudava, se dedicou a auxiliar alguns alunos da Educação Infantil com deficiência – um deles surdo, um com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e um com Síndrome de Down. “Nesse período, eu já me questionava, como poderia fazer um teatro para essas crianças, já que não via o teatro tradicional como a forma ideal de incluí-las”, lembra.
Já na graduação, ele se aprofundou no estilo do diretor de teatro estadunidense Robert Wilson e o colocou como tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ao analisar os motivos do ritmo mais lento adotado por Wilson em suas peças, descobriu que dois dos colaboradores artísticos do dramaturgo eram Pessoas com Deficiência: Raymond Andrews nasceu surdo e Christopher Knowles foi diagnosticado com autismo.
E o que chamou a atenção de Pinheiro foi que Wilson abordava as características de seus colaboradores “não como um impeditivo, mas como um disparador do processo criativo”. Sua dissertação de mestrado – que também se tornou um livro – teve como título “Bob Wilson: por trás do olhar de um surdo e da voz-pensamento de um autista”. Na pesquisa, estudou os métodos do dramaturgo para valorizar o teatro gestual e por meio de desenhos – uma das peças era encenada em completo silêncio –, além de se aprofundar nas formas não ortodoxas de comunicação verbal por conta de sua parceria com Knowles.
Durante a pesquisa de mestrado, ele lembra que teve a oportunidade de acompanhar a preparação de “Garrincha – Uma ópera de rua”, de Wilson. Em uma das apresentações, notou que uma das espectadoras era cega. “Comecei a me questionar: estou tentando entender um teatro possível de ser feito, considerando a surdez e o autismo como dispositivos criativos, mas estou desconsiderando outra especificidade sensorial que é a cegueira. Então, resolvi investigar o teatro a partir da percepção não visual.”
13 grupos
Para sua tese de doutorado, ele selecionou grupos de teatro das Regiões Sul e Sudeste que exploravam a criação teatral (lista no final do texto). Como metodologia de pesquisa, separou essas trupes em três eixos: “O primeiro é o Eixo dos Sentidos. São poéticas visuais que trabalham a diminuição visual da cena: ou ocorrem no escuro total ou vendam os espectadores que enxergam. No segundo, As Palavras, são os grupos que consideram a audiodescrição como dispositivo dramatúrgico. E o terceiro é a A Mímese, que são grupos que trabalham processos de ensino e de aprendizagem teatral, além de como se trabalhar um corpo ‘vidente’, um corpo que nunca enxergou. As pessoas que enxergam conseguem ter a referência visual de outras ações no mundo, então, neste eixo, o foco foi entender como atores e atrizes cegos podem interpretar mesmo ações que nunca vivenciaram.”
A partir dessa metodologia, Almeida destaca que, entre seus achados de pesquisa, a atitude será sempre a principal forma de inclusão – lembrando que mesmo escolhas artísticas podem acabar excluindo determinados públicos (uma peça totalmente no escuro, apenas encenada com sons, não será inclusiva para um surdo, por exemplo). “Uma inclusão atitudinal é o processo de estar junto, querer criar e produzir com a Pessoa com Deficiência, sob a perspectiva de encontrar caminhos possibilidades para que isso aconteça.”
Outro ponto levantado na pesquisa são os gatilhos criativos identificados nos trabalhos desses grupos de teatro, como a alta capacidade sensorial das encenações, com reforço das dimensões narrativas e descritivas, além de estímulos a sentidos como o olfato, sensações gustativas e a ambiência da cena como um todo. “A sensorialidade é abordada como perspectiva criativa da cena teatral, não só criativa e pedagógica, mas também poética”, diz.
Nessa perspectiva, ele lembra, que, ao participar de apresentações desses grupos nas quais havia deficientes visuais na plateia, era comum que este público tivesse mais facilidade para captar detalhes sensoriais da cena, como nuances de sons e de olfato, por exemplo, que eram trabalhadas na encenação.
Com a repercussão alcançada com o Prêmio Jabuti Acadêmico, o docente espera que a divulgação do trabalho desses grupos de teatro contribua para que a arte seja mais inclusiva no Brasil. “Minha esperança é realmente contribuir para tornar a arte brasileira mais diversa e composta por corpos que até então eram desconsiderados como produtores e fruidores de arte.”
Lista de grupos que participaram da pesquisa de Pinheiro: