Paisagem / Passagens

Galeria de Artes IA/Unicamp
apresentaFRANCISCO BIOJONE

Paisagem / Passagens

22/08 a 26/09/2000

 

Fotos: Rodrigo Biojone


PAISAGEM / PASSAGENS

Marcos Rizolli*

Três valores inerentes à condição pictórica – forma, cor e materialidade – sempre estiveram presentes numa poética visual peculiar: as pinturas-paisagens de Francisco Biojone.

Nomeio este conjunto de objetos artísticos justamente de paisagens porque não somente se referem a um tema universal como, ainda, bem ilustram a idéia conceitual: uma janela paralela ao mundo real, que estabelece um universo independente dos sentidos humanos – para, a partir da ação criativa do artista, estabelecer o ambiente da linguagem. O imaginário.

Desde as origens de sua atividade artística o paradigma da paisagem vem se apresentando como argumento recorrente. Um recurso-padrão que possibilita a intensificação de seus propósitos pictóricos. Assim, é na justa intercessão entre forma, cor e materialidade que o artista elabora o seu percurso expressivo.

No início de sua carreira – contados, já, 50 anos – Francisco Biojone se mostrava envolvido com a figuração de naturezas-mortas. Eram objetos de síntese, geometrizados, que, invariavelmente, se posicionavam à frente de janelas-aberturas que deixavam vazar uma certa luminosidade, densa em matéria pictórica, que aglutinava todas as partes das composições. Desde então: formas de síntese geométrica, cores luminescentes, pastosidade de tintas.

Desde então, a idéia de paisagem ocupa seu lugar poético, querendo expressivamente exercer o domínio semântico de sua arte.

O quadro é concebido como uma paisagem autônoma – própria da linguagem. O conceito de paisagem é, em parte, definido em projeções planares. Esta inicial figuração de síntese propõe uma imediata abstração. Abre-se uma janela para a formulação de paisagens de formas e cores. [São instantes de isolamento absoluto, onde a luz e sombra desaparecem, deixando somente a substância poética. – Castro Mendes, 1958].

Sua pintura evolui rapidamente para uma busca de maior densidade visual. Às tintas, são acrescentados relevos. A materialidade da natureza traduz-se em texturas. A cor predominante é o preto, radicalmente composto com outras cores – vibrantes e quentes. Os recortes formais determinam efeitos de infinitude, sugerindo aberturas que permitem a visibilidade de atmosferas cromáticas de bela e infinita pureza. [Não há uma área determinada da superfície com matéria aí espatulada, formando ilha ou concreção; e sim há inteira cobertura, com gradações muito bem proporcionadas… A seguir destacaria o jogo cromático que em excelente magma reveste esse arcabouço… Mas me agradam as áreas difusas pintadas, mais agradam ainda as escalas tonais – José Geraldo Vieira, 1962]. Neste momento, a pintura de Francisco Biojone apresenta-se plena de informalidade. Preservados os interesses pela cor, a matéria pictórica prevalece em relação ao geometrismo.

Contudo, o artista logo estará redefinindo sua breve trajetória – acumulando experiências: reencontra o geometrismo, personalíssimo; com espátula, domina a materialidade das tintas; concebe novas paisagens.

Biojone descobre a força expressiva da linha do horizonte, fazendo deste ente projetivo a razão compositiva de suas novas paisagens – que buscam a justa convivência entre a atmosfera cromática, representada por uma pintura de superfície, e a concretude formal, por sua vez representada em texturas e pastosidades. As imagens incorporam a noção de tridimensionalidade – acentuando, desta maneira, a eterna sugestão paisagística. [Francisco Biojone já possui uma linguagem pessoal… uma pintura que provém do expressionismo abstrato e do tachismo – mas que ao mesmo tempo namora o construtivismo geométrico. – Marc Berkowitz, 1976]. Um tempo de arte que define, irreversivelmente, o repertório cromático – a paleta de pintor – que permanecerá em todo o percurso do artista, até hoje.

[Eis um pintor que fica dialogando consigo mesmo em seu trabalho pictórico… Seus últimos trabalhos (fruto de uma sequência lógica interna), mostram uma dramaticidade espacial que ele tenta sublinhar e fortalecer por um grafismo nítido… Percebemos uma amplitude épica, infinitamente variada como de paisagens extensas (que poderiam ser também paisagens internas) ora mais luminosas, ora sombria e noturnas…A plasticidade destas composições nos empolga na vivência do infinito. – Theon Spanudis, 1984]. A série de paisagens imaginárias notabiliza-se ao representar a fase de plena maturidade artística, legitimamente construída – diante destes infinitos diálogos com a própria arte. [Seus temas são paisagens:… largas superfícies que se expandem com delicadeza, interrompidas por um delicado grafismo. As vastas perspectivas criadas pelas superfícies horizontais são interrompidas por leves linhas verticais. Surge assim um jogo abstrato de formas, de ponto e contraponto. As paisagens de Biojone podem ser sentidas também como pintura concreta, enquanto são paisagens, que através do grafismo, perdem a conotação de realidade… – Lisetta Levi, 1985]. Então podemos afirmar que, num processo de legitimação do artista, a linguagem pictórica percebe a síntese de forma e de cor.

A Fase seguinte, Luz e Forma, apresenta uma maior economia de recursos e procedimentos técnicos – resultado de uma constante avaliação autocrítica de seus meios expressivos. O grafismo é apagado. As extensões espaciais são contidas. Cor, forma e materialidade apresentam-se coincidentes. Ocupam o mesmo nexo expressivo. [Reaprender o azul com Biojone, as peles do azul ( asas para dentro das formas já soltas dos limites). Reaprender olhos que tateiam… rastros de espátula em liberdade quase música, a luz que se oculta em frestas… – Severino Antonio, 1990]. As partes formais – num processo de fragmentação – ocupam o espaço, cada vez mais planificado, bidimensional. As ordens cromáticas – num processo de multiplicação tonal – ocupam o nosso olhas, cada vez mais monocromático, qualitativo.

A pintura de Francisco Biojone atinge uma índole de sofisticação, própria daqueles que dominam as estruturas expressivas, os meios técnicos – em favor da elaboração de uma arte douta… de significados essenciais. Pinturas-paisagens que denotam o justo equilíbrio entre mente criativa e ação artística. Estamos, assim, diante de uma forma de sabedoria visual. Um homem – artista – que conecta vida e arte, em constante prospecção imaginativa. Outrossim, para Biojone, legitimação artística não significa concentrar-se em auto-maneirismo. Inversamente ao sucesso de crítica e mercado, o artista quase sempre surpreende o público com novas proposições pictóricas. Continuamente reinventa a paisagem.

A série que se apresenta em tempo real – Paisagem Revisada – reafirma a personalidade inquieta, que concebe um argumento e, dele, busca a intensificação. Para atingir novos paradigmas visuais, o artista não se inibiu em recusar as aparências geométricas, os recortes formais, o cromatismo localizado. Das séries anteriores, atualiza a espontaneidade dos gestos pictóricos, a densidade das tintas, os arrojos com compositivos, a linha do horizonte, as monocromias, as luminescências, a harmoniosa organização de cores, formas, e materialidade – em peculiar beleza. Agora, Biojone está envolvido com a re-figuração da paisagem. Está, ainda, organicamente envolvido com a re-figuração de sua memória – desejando novos significado…

… e que, deste percurso de vozes e, prioritariamente, de imagens fique evidenciado o caráter temático, essencial e evolutivo de sua pintura…da arte de Francisco Biojone.

* Marcos Rizolli é Doutor em Comunicação e Semiótica: Artes; Pesquisador em Linguagem Visual; Curador independente.


Leia matéria no jornal Correio Popular

divulgação no jornal A Semana da UNICAMP