Narrações | Vila Nova Canaã | A arte e a escrita na história da arte – Narrações

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Sala 1

“Narrações”
Artista: Lena Bergstein
Programa Professor Especialista Visitante em Graduação UNICAMP (CAPPEVG) – Artes visuais 2015

“A distância azul, que não cede lugar a nenhuma proximidade e, inversamente, não se desfaz com a aproximação, que não está ali espalhafatosa e prolixa quando se chega perto, mas apenas se erige mais fechada e mais ameaçadora à nossa frente, é a distância pintada do pano de fundo do palco. Isso dá aos cenários teatrais seu caráter incomparável.”
Walter Benjamin, “Objetos encontrados”, in: Rua de mão única

Lena Bergstein, ao ler essa passagem de Benjamin, viu confirmada a opção pelo azul ultramar como a “sua cor”. Já há algum tempo, boa parte de suas obras são inscrições de traços e letras sobre um fundo azul que pode ser lido também como mar, céu ou esse horizonte inatingível: paisagem aurática que não cede à proximidade.

Mas a escrita de Lena profana essa distância: transforma-a literalmente em pano de fundo, em suporte superplano, de uma planitude plena. Ela rouba-lhe a tridimensionalidade (do inatingível) e se apropria desses fragmentos de céu. Eles são ruínas de forças celestes, que Lena utiliza em suas obras como sua pedra de toque.

Se o azul-horizonte é infinito e sem bordas, ela o recorta em telas de variadas dimensões e o recria como páginas de um livro (infinito) borgeano. Lena também risca sobre folhas carregadas de tinta, aplicadas como carbonos, sobre a tela-horizonte-azul e inscreve suas palavras como decalques. Também existia papel carbono com o azul Yves Klein!

Sua origem na gravura deixa as suas marcas: Lena traça, risca, escreve, compondo uma “estranha topografia”. Essa topografia é antes de mais nada a de sua própria intimidade. Ela reescreve as palavras de autores e obras que ecoam em seu íntimo: Jabès, Celan, Kafka, Derrida, o Livro de Ester, Jean-Luc Nancy… Deste último, ela cita de seu pequeno ensaio “Je t’aime”, onde lemos a definição: “‘Íntimo’ é o superlativo latino de ‘interior’. Intimus, portanto, quer dizer ‘o mais dentro de’”.

E é de dentro que ecoam essas palavras lidas que Lena grafa sobre seu azul-pacífico. Nada de imagens miméticas: o segundo mandamento da Torá (Êxodo 20:4) faz-se valer aqui. Vemos apenas formas geométricas simples e traços: a pintura reduzida à arquiescritura, à pintura-escritura rupestre – às inscrições e declarações de amor grafadas sobre os muros da cidade. Uma das obras que Lena utilizou para compor um livro com Derrida chama-se, justamente: “Une lettre avant la lettre”.

Também a paleta é mínima, ela está praticamente reduzida ao azul, o dourado e o branco, tons “nobres” que servem de cenário a esse teatro da memória, que inclui também apagamentos, rasuras e passagens ilegíveis. Tudo é intensidade que se sobrepõe à escrita alfabética e seu tendencial logocentrismo. Também Mira Schendel expressou esse ethos pictórico da escrita em suas obras.

Não por acaso, nesta exposição vemos que a última série de Lena utiliza a fotografia como suporte. Na série “Cartas de Odessa” ela substitui o azul-horizonte pela paisagem que captou de sua varanda com um iPad. Sobre essa paisagem (indefinida, mas que inscreve o presente de Lena em sua obra) ela sobrepõe em camadas, cartas de amor, fotografias de álbuns de família (com parentes de Odessa) e intervenções gráficas (arquidesescrituras). Do arquitraço fundador da cultura ao traço fotográfico, nessas topografias anímicas Lena comemora seu presente em um arquivo múltiplo que nos lança no trabalho feliz da leitura infinita.

Márcio Seligmann-Silva
Ensaísta e professor de Teoria Literária na Unicamp

Sala 2

“Vila Nova Canaã”
Artista: Gabriel Pereira
Seleção Oficial de Eventos GAIA 2015 – 2016
Projeto realizado com o apoio da Prefeitura Municipal de Campinas, Secretaria de Cultura, Fundo de Investimento Cultural de Campinas – 2014

“Portanto desci para livrá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra, a uma terra boa e larga, a heteu, e do amorreu, e do perizeu, e do heveu, e do jebuseu. E agora, eis que o clamor dos filhos de Israel é vindo a mim, e também tenho visto a opressão com que os egípcios os oprimem.” ÊXODO 3:8,9

VILA NOVA CANAÃ
Gabriel Pereira

Dizem que o céu é igual pra todo lado. Na Vila Nova Canaã o céu era diferente.
Todo mundo que lá estava tinha vindo de alguma terra. E estava ali pra construir o seu teto.
A fé movia montanhas e construía casas. Primeiro a lona. Depois o telhado.
A Vila se constrói tijolo por tijolo. À margem de uma cidade à margem, se consome enquanto se constrói.
Na ausência da estrutura, há de se construí-la. Através da fé, do tijolo, do cimento.
Na Vila Nova Canaã só se tem aquilo que se constrói.
Isto não é seu. Não te pertence. Você não tem direito à terra, ao esgoto, à segurança.
ÊXODO. Fuga. Perseguição. A qualquer hora tudo pode ruir. Cair.
Vão passar o trator. Um dia, acorda e nada.
A esperança de quem constrói na fé, vive na fé, trabalha na fé, é irredutível. Essa é sua terra prometida.
Sagrada.
Assolada.
Viver alijado. Resistir.
Vila Nova Canaã não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo.
Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no entardecer, quando foram-se os últimos habitantes. Eram quatro. Um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco tratores.
A terra é tudo porque a terra tudo dá.

Projeto realizado com o apoio da Prefeitura Municipal de Campinas, Secretaria de Cultura, Fundo de Investimento Cultural de Campinas – 2014
Fotografias: Gabriel Pereira com assistência de Isabela Moura
Curadoria/orientação: Fernando de Tacca
Molduras: Projeto Zero Dois (Camila Schiesari e Danilo Costa)
Projeto Gráfico: Fábio Bana Lopes
Encadernação de Fotolivro: Bianca Moschetti
Prestação de contas: Guilherme Rebecchi

Sala 2

“A arte e a escrita na história da arte – Narrações”
GAIA | CDC – Coordenadoria de Desenvolvimento Cultural: Exposição dos trabalhos artísticos criados pelos alunos do curso “Arte e Escrita na História da Arte”. Orientação: Lena Bergstein. Programa Professor Especialista Visitante em Graduação UNICAMP (CAPPEVG) – Artes visuais 2015.

Artistas:
Adenir Junior
Bárbara Clemente
Deivisson Dias
Gustavo Lucatelli

Lívia Radice
Luis Icaroz
Luciane Kunde
Paula Éster
Rafael Ghiraldelli
Sandra Aggio
Silvia Ferreira Lima

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