Elegia à Vida

Sonia Von Brusky

Projeto ELEGIA À VIDA
Instalação e Fósseis Pós-Industriais
+ Relevos em Madeira

 


O NOVO HUMANISMO DA CULTURA URBANA

PIERRE RESTANY

Sonia von Brusky possui atrás de si um passado de 30 anos de pesquisas e de realizações que testemunha sua extrema sensibilidade para com os problemas maiores da arte contemporânea. É contudo em sua abordagem atual da apropriação objetiva que ela manifesta, da forma mais espetacularmente evidente, o profundo humanismo de sua indagação. Este humanismo essencial não é em última análise senão a reação espontânea de um ser consciente e responsável ante o sistematismo estrutural generalizado de uma modernidade que adota o perfil racional de uma “arte concreta”, como foi o caso no Brasil de pós-guerra. Desde fins dos anos 60 Mário Pedrosa, ourives na matéria, tinha pressentido o irresistível impulso existencial que iria marcar o uso e a manipulação das estruturas objetivas nos parangolés de um Hélio Oiticica ou nos bichos de uma Lígia Clark.

Sonia von Brusky faz parte desta família dos verdadeiros amorosos da vida para quem a arte assume a total dimensão de sua verdade: a de ser o vetor humanista da comunicação. Ela sofreu em cheio o impacto da colossal afirmação da cultura urbana que é o fenómeno capital do século que vai terminando. Desta cultura que vem da rua ela bem conhece a linguagem e a capacidade de auto-expressividade, o poder interativo. Esta linguagem da cidade é a da produção industrial nas usinas, da sucata nos terrenos baldios ou nos cemitérios de automóveis, das confusões e da poluição do trafego. É a força de trabalho que emana deste material visual bruto, da imagem que ele nos dá de si, que Sonia pretende exaltar através de seus diversos de apropriação objetiva. Outros artistas vão procurar essa força de trabalho da imagem através de outros tipos de apropriação: os cartazes lacerados ou os graffiti anônimos nos muros, as fotos da multidão, o mundo da publicidade e das mídias, das tecnologias de informação telemática, do vídeo e do computador na Internet, passando pelas realidades virtuais.

Vivemos hoje sob o duplo signo da globalização, econômica e cultural. Quem diz cultura global diz cultura urbana: são todos esses elementos da natureza moderna, urbana, industrial e mediática que se globalizam em escala planetária. Toda a minha teoria do nouveau réalisme está baseada na tomada de consciência da autoexpressividade globalizante desta linguagem da cidade. Nada pode corrresponder mais diretamente às opções determinantes de minha sensibilidade do que o projeto Elegia à Vida que Sonia desenvolve desde 1997: instalações seriais de canos de escapamento de automóveis são apresentadas ao público, que as pode manipular livremente e modificar sua disposição. O usuário tem assim a possibilidade física imediata de dar livre curso a seu instinto criador. Transferidas ao computador tais estruturas tornam-se imagens virtuais e gravuras eletrônicas. Tanto real quanto virtual, a força de trabalho dessas imagens não é anódina: os canos de escapamento de carros são símbolos ativos da poluição atmosférica em todas as nossas cidades. A mensagem que veiculam é clara, é um sinal de alerta planetário: esses agentes diretos de nocividade nos conscientizam quanto à preservação universal do meio-ambiente, através do expediente de uma manipulação lúdica.

Próximos em espírito os fósseis pósindustriais que hoje Sonia nos apresenta são fruto de uma estratégia similar de apropriação objetiva: elementos metálicos tubulares parcialmente incrustados em placas de poliéster. Os fragmentos de canos são apanhados por assim dizer a esmo e, obsoletos, são fossilizados de uma vez por todas na memória de sua perniciosidade passada.

À modernidade sucedeu a condição pós-moderna que doravante vivemos através da globalização da cultura urbana. Tal globalização levou ao paroxismo a força de trabalho das imagens que compõem a linguagem da cidade e lhe reserva um novo destino no duplo mundo real/virtual da comunicação planetária. Fortificada por sua experiência brasileira, Sonia von Brusky tudo compreendeu, e disso nos dá provas. Estou feliz por compartilhar com ela esse feliz momento de sincronismo na leitura de nosso presente.

Paris, abril de 2000