Arte como Protesto

 

Curadoria: Profa. Dra. Maria de Fátima Morethy Couto e Nara Vieira Duarte

 

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Com esta exposição, a Galeria de Arte da Unicamp rende uma pequena homenagem ao professor Bernardo Caro (1931-2007), ex-diretor do Instituto de Artes e artista de destacada atuação no cenário nacional. Encontram-se aqui reunidas algumas de suas obras realizadas nas décadas de 1960/70, momento em que Caro se lança com arrojo e paixão no campo da arte de cunho experimental. Em 1964, integra o grupo Vanguarda, atuante em Campinas, o qual visava renovar o recatado ambiente artístico da cidade, ainda afeito à produção acadêmica. Realiza gravuras de teor abstrato para, logo em seguida, criar suas chamadas anti-gravuras, as quais se servem das paredes e muros da cidade como matriz. Investigador incansável, Caro deixa de lado a criação de gravuras abstratas ou de caráter aleatório e se dedica à produção de obras de claro caráter crítico-social e político (Homens X Protesto; Mulheres, entre outras séries). Ao final da década, realiza suas primeiras instalações, algumas das quais de caráter francamente participativo. E é no processo de elaboração desses trabalhos que o artista procura integrar arte e vida, buscando uma nova relação entre público-obra.

Suas obras desse período contém questionamentos sobre a censura, a repressão, a sociedade e as convenções artísticas, dialogando portanto com os princípios maiores que regiam a vanguarda nacional. Cabe lembrar que Oiticica, em 1967, proclamava a necessidade de uma “posição cultural atuante”, “uma arte participante”, que levasse à criação de “novas condições experimentais”.

Durante esse período, o artista participou de várias edições dos Salões de Arte Contemporânea de Campinas (SACC) e das Bienais Nacionais e Internacionais de São Paulo. Suas obras figuraram ainda em outras importantes mostras, como a Bienal Biella Itália (1967 e 1971), a I Bienal de Gravura de Quito-Equador (1968) e a I Bienal Latino-Americana de São Paulo (1978). Caro alcançou destaque em várias dessas exposições, ora causando polêmicas pelo caráter sócio-político de algumas de suas obras, ora conquistando diferentes prêmios.

Esta exposição tem relação direta com a pesquisa de iniciação científica realizada pela aluna Nara Vieira Duarte, sob supervisão da prof. Dra. Maria de Fátima Morethy Couto. Sua pesquisa integra o projeto Arte de Vanguarda em Campinas: 1950-70, financiado pelo CNPq, desenvolvido no Instituto de Artes da Unicamp. Bernardo Caro nasceu em Itatiba, SP, em 5 de dezembro de 1931, residindo em Campinas desde 1933. Lecionou em colégios e universidades. Foi também chefe de departamento na PUC-Campinas e diretor do Instituto de Artes na Unicamp entre 1987 e 1990. Como artista, Bernardo Caro sempre se considerou autodidata. Integrou-se em 1964 ao Grupo Vanguarda de Campinas, buscando engajamento em novas concepções de arte. Participou das reuniões do grupo, como também passou a expor em salões, exposições coletivas e individuais no Brasil e no exterior. O artista participou de várias edições do Salão de Arte Contemporânea de Campinas (SACC): em 1967, no III SACC conquista o prêmio aquisição de gravura com sua série de xilogravuras Protesto I, II e III; em 1969 ganhou prêmios aquisição com a obra Tríptico ou Face A,B,C; em 1970, apresentou a obra Pernase, nos dois últimos Salões apresentou os objetos-instalação O altar, Quem foi?, e Isolados, em 1971, e Vitrine Fantasia, em 1972. Suas obras foram expostas em importantes bienais nacionais e internacionais, alcançando destaque em várias dessas mostras. Dentre as questões abordadas pelo trabalho de Bernardo Caro estão: o questionamento do suporte tradicional; a efemeridade da obra; a relação público-obra. Bernardo Caro faleceu em 16 de setembro de 2007 após se submeter a uma cirurgia cardíaca.


bernardo caro

 

Turbulentos, ruidosos e belos. Assim podem ser descritos os primeiros vinte anos do percurso artístico de Bernardo Caro, que em sua totalidade se estendeu por quase meio século.

De 1961 a 1980 Caro experimentou uma rápida sucessão de ciclos ascendentes que começa por sua iniciação algo tardia, aos 30 anos, na arte dita contemporânea, avança com os primeiros salões nacionais e o pronto reconhecimento crítico, e prossegue com o vertiginoso processo de amadurecimento técnico e temático que lhe abre as portas das Bienais de 1971 a 1977.

Foram duas décadas de criação intensa e apaixonada – com um traço pessoalíssimo que deixou marca visível na arte brasileira – e também de ações performáticas que impressionaram a memória visual e o imaginário de quantos viram ou ouviram dizer do célebre Cavalinho de Pau (que tanta celeuma provocou na Bienal Internacional de 1972) e das gigantescas cabeças de madeira, papelão e gesso que por 432 dias causaram assombro nos altos da PUC-Campinas, até serem destruídas pela ação do tempo, pois para isso tinham sido feitas. “Não são cabeças da ilha de Páscoa; são nossas ilhas, nossas cabeças” – ainda estamos a ouvi-lo explicar, como a dizer que estava destinado a fazer obra metafórica e universal.

Ilhas. Cabeças. Nessa atmosfera fervilhante Bernardo Caro preparou o ludismo de sua obra futura, aquela que o tornaria reconhecível nos circuitos da América Latina, Itália, Espanha e de outros países europeus com as inimitáveis “mulheres de néon” e, em anos mais recentes, com a magnífica série em que faz a releitura de seus êmulos do passado, inserindo-se definitivamente na linhagem dos grandes artistas de todas as épocas.

 

EUSTÁQUIO GOMES