Desenhos Ocultos, desejos velados

Artista plástico da Unicamp cria alfabeto visual inspirado em conceitos freudianos Assim como os preceitos do fundador da psicanálise, trabalhos apresentam uma característica sexual latente. Obra é resultado da disputa poética entre o consciente e o inconsciente do artista

A exposição Desenhos Ocultos/ Desejos Velados, do artista plástico Ricardo Morelatto, fica aberta para visitação na galeria do Instituto de Artes da Unicamp entre os dias 5 e 15 de março, com entrada gratuita. Nos 20 trabalhos da mostra, o artista apresenta imagens que formam um verdadeiro alfabeto visual em diferentes suportes e dimensões e criadas a partir de técnicas de velar/revelar desenvolvidas pelo autor.

Inspirado no pai da psicanálise, o trabalho transpira conceitos de Sigmund Freud como recalque, ato falho, pulsões de vida e morte, consciente e inconsciente, entre outros. A exposição mostra ainda o desejo do artista de aprisionar em imagens algo impalpável e subjetivo, que, no processo criativo, deu lugar às alternativas de esconder e velar.
Um exemplo é a escolha do papel arroz como material de trabalho. Sobreposto em pequenas caixas acrílicas (13 x 16,5 cm), o papel, transparente, é capaz de ocultar parcialmente as imagens desenhas sem escondê-las por completo. Segundo o autor, “as caixas podem ser vistas como metáforas corporais, e o papel arroz, como a pele que os envolve”.
As referências corporais como a pele e os pelos, inclusive, são recorrentes no conjunto da obra. O próprio vocabulário imagético criado pelo artista foi desenhado em nanquim nos diversos suportes. O intuito foi simular pelos que, amalgamados, ocultam os traços aleatórios do artista, em mais um processo de veladura.

Importante destacar ainda que, apesar das obras terem sido criadas no trânsito entre a psicanálise e a arte, a proposta do artista não foi a de traduzir visualmente conceitos do pai da psicanálise, mas sim oferecer uma proposta criativa sobre eles. “É o momento em que a arte se apropria de preceitos eruditos para regurgitar gestos espontâneos de criatividade”, define o próprio artista.

Assim, o alfabeto visual formado pelo conjunto de imagens-sínteses, presente em todos os trabalhos e formado pela ampulheta, o anzol, a santa, os cabelos, a navalha, a faca, a forca, o rosário, o peão e a vulva, não tem a pretensão de ser um conjunto de imagens definitivas e correlatas dos conceitos freudianos mencionados, mas apenas inspirações poéticas a serem desfrutadas pelo público.
A exposição faz parte da banca de defesa de Ricardo Morelatto para obtenção do título de Doutor em artes pela Unicamp, na linha de pesquisa de poéticas visuais, sob a orientação da Profa. Dra. Ivanir Cozeniosque Silva, que acontece no dia 5 de março, às 14 horas, e também é aberta ao público. Participam da banca do autor os artistas Alcindo Moreira Filho, Mario Fiori, Márcio Périgo, Louise Weiss e Ivanir Cozeniosque Silva (orientadora).

Ricardo Bruscagin Morelatto, artista plástico premiado no Brasil e no exterior, é formado em artes pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e professor do curso de publicidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

 

veja currículo de Ricardo Morelatto


DESEJOS E NECESSIDADES

Não se pode mudar a direção dos ventos, mas é possível alterar a posição das velas. Esse ditado dos antigos marinheiros ingleses descreve bem o que Morelatto realiza neste projeto (exposição) denominado “Desenhos Ocultos/Desejos Velados”. De forma bastante inventiva ele posiciona telas, velas e véus, de forma a captar a força imagética dos conceitos freudianos de desejo, pulsão de vida e pulsão de morte.

Esses são conceitos muito complexos. Na verdade, são conceitos bastante incompletos. Freud reconhecia que sua teoria das pulsões ainda não estava terminada. O conceito de desejo, que não é o mesmo que necessidade, não cessa de dar trabalho a analista e analisandos. E é nesse cenário que Morelatto decide trabalhar, uma decisão ousada sem dúvida. Aliás, tão ousada quando virtuosa a se julgar pelos resultados, pelas imagens que conseguem uma aproximação entre conceitos científicos e objetos artísticos.

Por meio de livres associações a partir dos conceitos freudianos (método dos mais pertinentes para se tratar de temas psicanalíticos), Morelatto produz um jogo declarado de mostrar e encobrir, velar e desvelar, realçar e nublar, iluminar e desfocar, ampliar e reduzir, que mimetiza a intrincada relação entre a pulsão de vida e pulsão de morte.

E o desejo? Ora, o desejo é simples, todo mundo sabe o que é. Não, não mesmo. O que todo mundo conhece é a necessidade, necessidade de comida, de sono, de sexo, de segurança, de amor, etc. O desejo é outra coisa, ou como disse Lacan “o desejo é sempre desejo de outra coisa”, coisa esta, difícil de se explicar, de se conhecer. Para tratar de uma “coisa desta” (o desejo), o método de Morelatto é bastante apropriado.

Então veja bem, caro visitante, não há necessidade de olhar o que tem dentro das “caixas” que ele preparou, mas se há desejo, vá em frente.

Alfredo Simonetti
Psiquiatra e Psicanalista
Autor do livro: Nó e o Laço – Desafios de um Relacionamento Amoroso.