Pinturas

Galeria de Arte da Unicamp

apresenta

Hércules Barsotti

Caminhando para o não-figurativismo

Hércules Barsotti nasceu em São Paulo no ano de 1914.
Iniciou seus estudos de desenho com Enrico Vio, em 1926, e em 1937 formou-se em química industrial, exercendo a profissão por poucos anos, até que em 1940 descobriu a pintura. Seriam contudo necessários mais dez anos, para que enveredasse pela vertente da arte não-figurativista de conotação geométrica. Em meados da década de 1950 realiza suas primeiras pinturas concretas, ao mesmo tempo em que, a partir de 1954, dedica-se a atividades de desenhista têxtil e funda, com Willys de Castro, o Estúdio de Projetos Gráficos.

Os prêmios

Em 1958 efetua viagem de estudos à Europa, e nesse mesmo ano é premiado no Salão Paulista de Arte Moderna, o mesmo ocorrendo em 1959 (grande medalha de ouro). Em 1960 conquista o certificado de isenção de júri no Salão Nacional de Arte Moderna, expõe em Zurique, na Konkrete Kunst, – fato remarcável, em se tratando de alguém imune a movimentos e tendências.

Percorrendo estilos

Depois, integra-se ao grupo neoconcretista do Rio de Janeiro, participando das mostras nacionais de arte neoconcreta de 1960 no Rio de Janeiro, e de 1961 em São Paulo. Em meados dos anos 60, observa-se em sua pintura o predomínio das pesquisas óticas, um pouco sob a influência da Op Art. Em 1967 – ao lado de Willys de Castro – retomou, numa série de padrões para tecidos, certos elementos típicos do Art Nouveau.

Exposições

Barsotti, já expôs em coletivas como a Bienal de São Paulo (de 1957 a 1965) e a Bienal Interamericana do México (1960), além de tomar parte em manifestações levadas a efeito em Israel, Espanha, Estados Unidos da América e diversos outros países. Paralelamente, realizou também algumas individuais, a primeira das quais em 1962. Tendo sido um dos fundadores, em 1965, da Associação “Novas Tendências”, o artista pertence igualmente à Associação Brasileira de Desenhistas Industriais.

Fonte: CD-Rom “500 Anos de Pintura Brasileira”.

leia matéria no jornal Correio Popular de Campinas

PELE DE AREIA

Hércules Barsotti, uma das presenças fundadoras da abstração geométrica no Brasil nos anos 50, é construtor e proprietário de uma trajetória de rara solidez. Barsotti é inteiriço. Sempre ele e sempre consolidando um patamar além. Não há tropeços nem vacilações nessa longa jornada sem pressa. O artista sabe agir com clareza meridiana no território da coerência estilística. Construtivo histórico, habita um espaço próprio que, inaugurado sob os rígidos pressupostos do concretismo, incorporou o exercício livre e sensível das relações entre formas sóbrias e cores intensas, conquista do neoconcretismo.

A pedra de toque dessa obra notável é a tensão sutil do seu raciocínio compositivo. Como nos teoremas que originaram as geometrias habitadas pela pintura de Barsotti, cada tela nos conduz à demonstração de uma descoberta. A composição primeiro nos seduz pela experiência retiniana da cor para depois nos conquistar pelo convite à reflexão: achar o fio da lógica dedutiva exercida para construí-la. Disso emana um encantamento insuperável. Que talvez apenas tenha paralelo nos Objetos Ativos do também artista construtivo Willys de Castro.

Para cumprir uma caminhada que já atinge mais de meio século, o caminhante leva bagagem pouca, na exata medida do que a disciplina construtiva, ensina ser suficiente. No início eram quadrados, depois flexionados em losangos. A seguir, surgiram triângulos, retângulos horizontais ou verticais, pentágonos, hexágonos e círculos. E só.

Nas cores, há maior liberalidade de provisões: infinitas combinações de pigmentos fazem surgir tons de grande frescor, vibrantes, aplicados de modo a não deixar rastro de pincel. Afinal, um índice de ação seria excesso. Barsotti emprega uma cor quase incorpórea. Uma cor que não indica nem representa: ela é. Ou melhor: ela delimita e inscreve formas. Propõe planos e volumes virtuais.

Nesta exposição, Barsotti retoma outro elemento de seu enxuto repertório: a areia. O artista começou a utilizá-la nas severas composições preto e branco que realizava no final dos anos 50. A areia era então aplicada para conferir aos trabalhos um brilho intenso, ao mesmo tempo mineral e estelar. Uma cintilação que parecia emanar desde o fundo até a superfície, varando de luz a composição.

Agora, ao retomar esse material, Barsotti o utiliza não mais como brilho mas como rugosidade e aspereza. Amalgamada ao pigmento, a areia confere peso e corpo à cor. Faz aderir à cor abstrata uma pele do mundo. Uma pele que carrega sombras de diminutos grãos trazidos de imponderáveis praias. Suficientes, porém, para captarem a sombra do real, iludindo a retina e fazendo-a supor que agora a cor é outra, mais escura do que aquela (mesma) ao lado. Fazendo supor até que há outro plano flexionando o que seria uma superfície única. A sombra, índice do real, é subvertida em ilusão perceptiva.

Em mostras anteriores, o elenco de geometrias utilizadas pelo artista era mais variado no interior da pintura do que na forma da tela. Desta vez, porém, Barsotti se permite uma liberdade maior. Assim, embora as proporções do suporte continuem determinando as linhas de força construtoras da composição, esses suportes percorrem o elenco inteiro de suas figuras geométricas prediletas.

A liberdade, exercida com a coragem trazida pela experiência, é também visível no cromatismo audacioso, estabelecnedo vizinhanças de insuspeitado convívio harmônico. Afinal, não é de hoje que um dos maiores coloristas da arte brasileira utiliza cores vibrantes. A descoberta da cor aconteceu quando ele tomou contato com a então recém-inventada tinta acrílica, nos anos 60. Naquela época, um material importado e de difícil obtenção.

Fascinado pelas superfícies translúcidas, magras e homogêneas que a acrílica permitia executar na tela, Barsotti nunca mais a abandonaria, conquistando com ela uma paleta de enorme riqueza cromática. Suas telas chegaram a articular simultaneamente até uma dezena de faixas de tons. Aos poucos, porém, e mais acentuadamente nestes últimos anos, o artista reduziu os campos de cor utilizados em cada composição. Agora ele os faz com dois ou no máximo três tons, um deles quase sempre ocupando agudíssimas áreas que, além da tensão cromática, promovem um deslocamento virtual dos palnos, instalando uma hipótese de volume.

Cada trabalho, vale lembrar, é precedido de projeto traçado com exatidão sobre papel milimetrado. Só depois dos problemas esstarem perfeitamente resolvidos nessa instância é que Barsotti parte para a execução. Ou a delega, sem temores. Afinal, “a execução nunca incorpora surpresas”, sustenta ele. “Meu pensamento é arquitetônico, o projeto já é a coisa pronta”.

A escolha das cores, no entanto, não obedece a esse raciocínio cartesiano. É pessoal e intransferível, construída de modo retiniano, durante a mistura dos pigmentos. Operação semelhante acontece quando a decisão é quanto à área que aquela tonalidade irá ocupar na tela. “Quando encosto uma cor na outra é que percebo a relação entre elas”, conta. “Nesse momento, é meu olho e não minha cabeça que decide”.

Assim como ocorre na música, a intensidade e duração do acorde cromático é que estabelece a harmonia. As pinturas de Barsotti são a demonstração eloqüente de que ele é dono e senhor de um diapasão cromático sutilíssimo, capaz de achar a afinação ideal de cada tom, para fazer seus instrumentos geométricos cantarem.

Angélica de Moraes
(texto escrito para o catálogo da exposição de Hércules Barsotti, na galeria Sylvio Nery / SP, no período de 15/03 a 14/04 de 2002)

Mais informações sobre Barsotti: http://www.pinturabrasileira.hpg.ig.com.br/barsotti/barsotti.htm

Exposição: 21 de maio a 27 de junho de 2003